É pior até do que alguém declaradamente contra você JÁ QUE É INEVITÁVEL TER INIMIGOS, A COISA MELHOR DO mundo é ter um de verdade: que te odeie com lealdade e total sinceridade – sem nenhum fingimento. Ele é capaz de falar mal de você em público sem ter, em momento algum, medo de que repitam o que ele disse. E também pode te dar um tiro ou uma facada, mas sem nunca te enganar – sempre numa boa. Não é, positivamente, do tipo que diz “vou te contar uma coisa mas não repita, fica só entre nós”. Dele você pode esperar sempre o pior: que impeça que aquele negócio que estava planejando há anos se realize, que diga àquela gata que está povoando seus sonhos que você é um cafajeste, que o dinheiro que você esbanja vem do tráfico de drogas – ou coisas ainda piores. Sabendo do que ele é capaz, você pode sempre se defender – o que é, sempre, mais fácil do que lidar com a hipocrisia. Como guerra é guerra, nada que ele faça de ruim poderá surpreender – essa é a vantagem de se ter um inimigo leal. Quando se encontram num restaurante você já sabe que deve ficar alerta e se sentar de costas para a parede, como fazem os malandros. Ele é capaz de seduzir sua filha menor, de contratar alguém para roubar seus documentos e de jurar sobre a Bíblia Sagrada que viu você subornando um político. Tudo faz parte, e quanto mais coisas ele fizer contra você, mais você aprende a se defender; como se aprende com um inimigo assim – ah, como se aprende. Perigosos mesmo são os pseudo-amigos, aqueles que te tratam bem e que volta e meia fazem um comentário sobre você – maldoso e irônico, mas não tão maldoso a ponto de chocar –, afinal, é apenas uma brincadeira, será que você perdeu o humor? E aquele, que passou anos construindo a imagem do bom caráter – de carteirinha –, pode fazer você levar a vida inteira na dúvida, sem ter coragem de encarar a verdade: que se trata apenas de um crápula. A tal da imagem ilude muita gente, que durante anos pensa que o personagem é defensor das boas causas, dos fracos e oprimidos, e sempre politicamente correto – faz parte do modelo, claro. Incapaz de encarar uma briga de frente, ele não consegue nem ter inimigos, pois, como ser humano, não passa de uma fraude – e de um covarde. Está sempre atrás de alguma vantagem – alguma pequena vantagem – e freqüentemente comete traições contra os outros – pequenas traições que dificilmente poderão ser comprovadas. E se alguém ousar acusá-lo de alguma coisa, sempre haverá alguém para defendê-lo – afinal, de uma pessoa com um passado tão correto, só um louco ousa dizer alguma coisa. Suas maldades e falhas de caráter nunca são grandiosas, porque nada nele é grandioso. Suas maldades são pequenas, porque tudo o que ele faz é pequeno; pequeno como sua pessoa, como sua alma. Mas, às vezes, se tem de conviver com gente assim – como fazer? Pois se for o caso, não faça nenhum tipo de concessão. Cometa um assassinato, internamente, e esqueça que ele existe – mas esqueça mesmo. E preste atenção: é importante que ele saiba que você sabe quem ele é. Fique cego quando passar por ele, e se alguém mencionar seu nome, fale de outra coisa, não ouça; esqueça as mesquinharias de que é capaz esse pobre ser humano. E valorize seus inimigos, os bons. Eles estão sempre dispostos a liquidar com você, mas sempre com a maior lealdade. Danuza Leão, colunista da Folha de S.Paulo
Tags: reflexão
sábado, 30 de maio de 2009
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